Entrega de "carta denúncia" por associações em evento do MEC revoltou parte da comunidade que defende direito dos autistas.
Nos bastidores da política brasileira, um conflito silencioso, porém grave, vem colocando em xeque os direitos das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Apesar de avanços históricos no reconhecimento legal dessas garantias — como decisões do STF que obrigam os planos de saúde a cobrir tratamentos contínuos e sem limites —, um novo movimento, travestido de representatividade e racionalidade financeira, ameaça retroceder essas conquistas.
O texto “Associações de Autistas, Planos de Saúde e o Lobby Negacionista no Governo Lula” revela uma faceta preocupante dessa disputa: associações que se apresentam como defensoras das pessoas autistas têm, na prática, se aliado às operadoras de saúde privada. Sob o pretexto de promover um uso “racional” dos recursos e combater a “judicialização excessiva”, essas entidades passaram a contestar a necessidade de terapias intensivas como a Análise do Comportamento Aplicada (ABA), reconhecida mundialmente por sua efetividade.
Essa aliança é problemática por vários motivos. Primeiro, ela contribui para a desinformação, promovendo discursos que relativizam a ciência e desacreditam tratamentos essenciais. Segundo, cria um falso consenso, dando a entender que há uma divisão dentro da comunidade autista sobre essas práticas — quando, na verdade, muitas dessas vozes falam em nome de interesses financeiros, e não das famílias que lutam diariamente por acesso ao cuidado adequado.
O governo Lula, conhecido historicamente por seu compromisso com pautas sociais, enfrenta agora o desafio de não se render a essa pressão econômica disfarçada de técnica. A tentação de aceitar soluções "financeiramente viáveis", mas eticamente duvidosas, pode parecer atraente diante do cenário fiscal do país. No entanto, ceder a esse lobby significa sacrificar justamente os mais vulneráveis: crianças e jovens que dependem da intervenção precoce e contínua para se desenvolverem com dignidade.
A crítica aqui vai além da postura das associações ligadas às operadoras: ela se estende à falta de transparência e representatividade nesses espaços de decisão. Famílias e especialistas verdadeiramente comprometidos com o bem-estar das pessoas autistas precisam ser ouvidos de forma prioritária e sistemática. Não se pode permitir que grupos com conflito de interesses definam políticas públicas sem o devido contraponto técnico e social.
Além disso, é urgente que a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) reveja sua composição e metodologia de escuta social, priorizando dados e pesquisas científicas independentes. O governo também deveria instituir um observatório permanente sobre os direitos das pessoas com deficiência, com participação direta da sociedade civil e de autistas adultos, para fiscalizar retrocessos e sugerir avanços.
Em nome da dignidade, da inclusão e da ciência, não podemos aceitar que o custo financeiro seja usado como desculpa para negar direitos fundamentais. O Brasil precisa de uma política pública de saúde suplementar que respeite a Constituição e, sobretudo, a vida de quem mais precisa.
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